quinta-feira, 11 de junho de 2015

Fazer bem faz bem

Nada de lições de moral. Mas é uma verdade, comprovada empiricamente por mim: fazer bem faz bem.

Na última semana, caí em um de vários episódios de mau humor que tenho de forma eventual. Nunca sei o que me leva a ter esses episódios, mas em geral, são eventos ruins acumulados que me derrubam. Pode acontecer com qualquer um, mas acontece comigo.

Hoje (sábado, 06.06.2015), fui ao curso de alemão que faço todo sábado à tarde. Ao término, resolvi parar em uma lanchonete para comer algo. Fui meio olho-grande, e pedi dois sanduíches, um para a hora e outro pra viagem. Comi o primeiro e fui embora com um saco de papel contendo o outro. Fui abordado por um mendigo muito velho que me estendeu a mão pedindo dinheiro para comer. Não tinha muito mais do que algumas moedas pequenas. Hesitei por um segundo e enfim estiquei o braço em direção a ele, com o saco de papel contendo o sanduíche na mão.

-Não precisa, moço, eu posso comer qualquer coisa. - Disse o pedinte.

Insisti que ele aceitasse o sanduíche. Era pequeno, mas era o que eu tinha à mão no momento. Só dei tempo a ele para sorrir e dizer um "Obrigado" quase inaudível da sua voz rouca e desgastada. Dei-lhe boa tarde. Tomei meu rumo.

Dali, resolvi ir à parte histórica do Centro, visitar o Parque das Ruínas, numa decisão súbita. Era fim de tarde, fotos de paisagem foram poucas, vista a falta de luminosidade. Encontrei por acaso um amigo que estava a passeio com a namorada e a mãe. Juntei-me a eles e passeamos por um tempo em Santa Teresa, por entre os pequenos bares de decoração pitoresca que existem por entre as íngremes e tortuosas ruas de pedra do bairro. Depois de algumas horas, me despedi e resolvi voltar pra casa.

Peguei o ônibus. Em outra decisão súbita - e de certa forma estúpida - desci próximo ao CCBB e entrei lá. Não tinha quase ninguém e estava quase fechando. Mas lembrara que um amigo que passava por problemas trabalha no local naquele turno, vai que uma visita lhe alegrasse um pouco. Não o encontrei. Dei uma olhada na exposição, mas fui embora logo em seguida.

Quando saía pela Primeiro de Março, que estava escura e deserta, uma mulher me abordou. Ele estava com cara de apreensão e parecia que minha presença aliviava um pouco a tensão em seu rosto:

-Oi, com licença, você está indo pegar o ônibus?
-Estou sim.
-Mas nessa rua?
-Sim, o ponto é mais ali na frente.
-Bem, eu precisava pegar o ônibus também, mas não sabia que era tão vazio hoje.
Ela de fato parecia assustada.
-Quer que eu espere com você?
-Bem... na verdade meu ponto é na outra rua (Avenida Rio Branco. Àquela hora, era totalmente deserta e poderia ser perigosa)
-Entendi. Mas você vai pra lá? Não quer que eu vá junto?
-Não, vou acabar te atrasando muito...
-Não seja por isso, eu posso ir lá com você, depois pego o metrô.
Ela aceitou.
Como ela era muito menor do que eu, ainda estava com cara de apreensiva, e, principalmente, por não saber o quão movimentado aquele trecho do centro da cidade é no sábado à noite (leia-se: não é), não resisti em perguntar:
-Você não é daqui, certo?
-Na verdade sou, mas estive fora do país nos últimos seis anos, estava morando na Alemanha...
Foi o que eu precisava ouvir. A conversa caiu pra esse lado. Eu não perguntei seu nome, mas fiquei conversando sobre ela ter ido pra lá por causa de um namoro com um nativo e terminar fazendo um doutorado em Geografia. Mal chegamos ao ponto, o ônibus chegou. Ela somente disse um muito obrigada e me deu um abraço. Não esperava uma demonstração de afeto de alguém que morou tanto tempo na Alemanha. Quanto mais a um total desconhecido!

Os exemplos não são os melhores, não são grandes feitos. Mas o importante é que pequenos gestos de gentileza podem melhorar seu humor. Não é exagero dizer que fui pra casa um pouco melhor do que estava em todo o feriado.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Resenhando - "Songs from the Big Chair" 30 anos

"Grite! Grite! Deixe tudo sair!" e conquiste o mundo.


Roland Orzabal (E) e Curt Smith.
É muito comum vermos músicas do tipo que dizem para nós dizermos o que pensamos. Geralmente estas mesmas canções que dizem que nós devemos expor nossos sentimentos, convocam apenas expressões de sentimentos positivos. Nem sempre os sentimentos positivos são os que devem ser expostos pois deixamos o que mais precisa ser liberado mais enterrado. Entre eventos ruins, tristezas e desabafos não feitos, muita coisa é acumulada no nosso interior.


Exatamente por explorar esses pontos de forma muito inteligente, aliado a uma qualidade sonora peculiar, sobressaiu-se, entre as centenas de bandas de pop rock criadas nos anos 80, o Tears for Fears.


A banda


O Tears for Fears foi criado em 1981 na Inglaterra por Roland Orzabal e Curt Smith. A dupla ainda contava com Manny Elias e Ian Stanley na bateria e teclados, respectivamente. Orzabal e Smith participaram juntos de outra banda, chamada Graduate, que fez um modesto sucesso, colocando um single entre o top 10 da Inglaterra.

Em 1983, a banda lançou seu primeiro álbum, "The Hurting", cujas letras mostravam o que a banda propunha: Letras profundas, baseadas na técnica psicanalítica de "terapia primal", em que o paciente é levado a expressar seus sentimentos mais básicos, trazidos da infância. O disco fez sucesso dentro da Grã-Bretanha, chegando ao primeiro lugar das paradas do país. Algumas músicas ainda são lembradas, como "Mad World", várias vezes regravada.


'Songs from the Big Chair'


Em 24 de fevereiro 1985, ainda inspirados pela teoria do grito primal, porém com outros elementos adicionados, foi lançado o album "Songs from The Big Chair". O nome do álbum, Curt Smith explicou sua origem:





"O título foi minha ideia. É um tanto perversa, mas você tem que entender nosso senso de humor. A ideia da 'Big Chair' é de um filme brilhante, chamado Sybil, sobre uma garota com 16 personalidades distintas. Ela fora inacreditavelmente torturada pela sua mãe quando criança e o único lugar que ela se sentia segura, o único momento em que ela poderia ser ela mesma era quando ela se sentava na poltrona de sua analista. Ela sentia-se segura, confortável e não usava suas diferentes facetas para se defender. É um tipo de 'vai se ferrar' para a imprensa musical inglesa, que realmente acabou conosco durante um certo tempo. Isso é o que nós somos agora, e não podem mais vir atrás de nós". -Curt Smith.

Principais faixas:

1. Shout

Capa do single de Shout (1984)
A música mais famosa da dupla, o maior single de 1985 e um dos grandes símbolos dessa estranha década de 1980, Shout é uma música de batida rígida e refrão repetitivo. Longe de isso ser um problema, afinal a canção se firmou no primeiro lugar das paradas em vários países. Roland Orzabal diz que, apesar de a canção ter uma letra que remeta ao Grito Primal, ela fala da vontade de protestar que estava presa por conta da repressão da Guerra Fria:


"Muita gente pensa que "Shout" é mais uma música sobre a teoria do Grito Primal, dando sequência à temática do primeiro álbum. Na verdade, ela é mais voltada para o protesto político. Ela surgiu em 1984, quando muitas pessoas ainda preocupavam-se com o resultado da Guerra Fria e, basicamente era um incentivo ao protesto." - Roland Orzabal.


Smith  foi além, e também falou que Shout é uma música de protesto, mas não somente sobre a Guerra Fria, e sim, sobre a falta de reflexão sobre as ações pessoais dentro da sociedade:
"Trata-se de protestar, de forma que encoraja as pessoas a não fazer coisas sem realmente questioná-las. As pessoas agem sem pensar porque é assim que as coisas vão na sociedade. Então, é uma música genérica, sobre a maneira que as pessoas aceitam qualquer aflição que lhes atinja." - Curt Smith


É verdade que Shout não é uma canção fácil de se gostar. Por ser uma música de protesto, a letra é realmente pesada, falando de combate ao status da sociedade. Além disso, a melodia dura não permite que o caráter de protesto da letra não se perca em meio à música, mantendo-se dentro das características da banda. Mesmo assim, tornou-se uma canção aclamada pelo mundo inteiro.


2. Everybody Wants to Rule the World


Capa do Single de 'Everybody
Wants to Rule the World' (1985)
Outra música que atingiu o topo das paradas em todo o mundo, Everybody Wants to Rule the World, ao contrário de Shout, possui uma batida mais leve e alegre. A temática da letra também é uma crítica à sociedade, dominada pelo contexto da guerra fria e pelo duo Reagan-Thatcher, onde as disputas políticas pelo mundo eram acirradas e mais trouxe tormento para a maior parte do mundo do que benfícios:



"A ideia é bem séria - é sobre todo mundo querer o poder, sobre o estado de guerra e a angústia que ele causa." - Curt Smith

Orzabal destaca que essa música não entraria neste álbum, dado a diferença da música em relação ás outras faixas, mas a música foi uma forma de transição para a inserção de melodias mais alegres ao acervo da banda:

"Ela [a canção] foi gravada em duas semanas e foi a última música a ser adicionada no álbum. A batida era alheia à nossa forma normal de fazer as coisas. Era alegre em vez de rígida e quadrada como em 'Shout', mas continuou o processo de tornar-se mais extrovertida." - Roland Orzabal


Opinião


O álbum é um dos grandes expoentes dos anos 80. Misturas de letras duras e críticas, melodias mistas entre leves e pesadas, o disco agrada pela inteligência. Embora seu estilo não seja comparável à maioria das bandas pop britânicas, como Duran Duran ou Wham! (inclusive, Orzabal, uma vez, se aborreceu com a imprensa pela comparação com o conjunto de George Michael), o Tears for Fears  se firmou como grande sucesso e representou muito bem seu papel, não se deixando fugir da profundidade de suas letras.

O sucesso é tão notório que as músicas descritas acima são facilmente conhecidas no mundo. Sempre que se cantar uma parte do refrão de Shout em um lugar lotado, muito provavelmente alguém cantará com você, ao menos parte do refrão. E raramente uma música perdura 30 anos e ainda é passada a gerações futuras.

Veredicto


Se uma pessoa gosta dos anos 80, esse álbum é um prato cheio. E todos deveriam ouvir pelo menos duas vezes tanta qualidade musical sintetizada em pouco mais de 40 minutos de álbum.


Comentários são importantes!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Resenhando - "Meat is Murder" 30 anos

A banda surgiu quase de uma necessidade. Ao sair da escola, um garoto não tinha ideia do que fazer com sua vida, e se mantinha trancado em casa, com seus livros, seus escritos e seus pensamentos. Ao mesmo tempo, o outro garoto que resolvera ser guitarrista precisava de letras para suas músicas. Com as notas ele era bom, apenas as palavras se perdiam para ele. O garoto trancado ganhou fama na cidade pela sua introspecção, e o guitarrista foi atrás dele para saber se ele podia escrever para suas músicas. O ano era 1982 e, resumidamente, eis a história de fundação, do The Smiths.

A banda

Joyce, Morrissey, Rourke e Marr.
A banda foi criada em 1982, em Manchester, Inglaterra. Na época, Steven Morrissey, letrista e cantor, era um rapaz tímido que, assim que terminou a escola, sentiu-se perdido no mundo e, sem saber como seguir com a vida, passava seu tempo trancafiado em seu quarto, lendo e escrevendo, enquanto Johnny Marr, guitarrista, era um artista promissor, precisando de letras para suas melodias. Através de um amigo em comum, Johnny pôde entrar na casa de Morrissey (uma fortaleza quase impenetrável) e lhe pedir para fazer letras e ser o vocalista de uma nova banda. Morrissey concordou, mas com ressalvas: A banda deveria ser o mais simples possível.

A banda se chamou The Smiths, quase como uma resposta à bandas que faziam sucesso porém possuíam nomes complicados, como Spandau Ballet ou Orchestra Manoeuvres in the Dark, por exemplo. Por ser o sobrenome mais comum da Inglaterra (talvez de todos os países anglófonos), a ideia seria de que gente comum também faz música, e era hora dessa gente mostrar seus rostos.

Inicialmente, Morrissey e Marr gravaram fitas demo com um baterista avulso, mas logo recrutaram Mike Joyce para assumir a bateria. Para o baixo, estava Dale Hibbert, que trabalhava em um estúdio de gravação, o que permitia um acesso a um local próprio para a gravação das fitas. Entretanto, Marr não estava satisfeito com a forma de Hibbert de tocar baixo, alegando não combinar com o grupo. Então convidou seu amigo pessoal, Andy Rourke, para assumir o posto de baixista do The Smiths.

Em 1983, a banda lançou seu primeiro single, Hand in Glove, que foi aclamado pela crítica, porém esse efeito não se converteu em números de vendas. Essa foi uma característica que acompanhou a banda durante sua existência.

Primeiro álbum da banda (1984)
Em 1984, foi lançado o primeiro álbum, o homônimo The Smiths, que contou com músicas como Reel Around the Fountain e The Hand that Rocks the Cradle. Ambas geraram polêmica por acharem que incitavam a pedofilia, ideia rejeitada pela banda. Outra faixa que causou discussão foi Suffer Little Children, abordando uma série de assassinatos ocorridos nos anos 60 na Inglaterra. Mesmo com elogios da crítica, o álbum não vendeu bem.





Meat is Murder

Em 12 de fevereiro de  1985, o álbum Meat is Murder foi lançado e apresentava letras mais ácidas e políticas que seu antecessor. Morrissey passou a expor seu ativismo pró-animais, a começar pelo nome do álbum e da faixa-título, inclusive proibindo a banda de ser vista comendo carne. A capa, com uma foto de um soldado da Guerra do Vietnã, possui uma montagem, com o título do álbum escrito em seu capacete. Sobre essa capa, Morrissey declarou que ela significa que "enquanto os homens maltratarem os animais, haverá guerras".


Imagem original do álbum
Em suas letras, o cantor ainda mostrou críticas à monarquia e à educação dada às crianças, baseada em castigos físicos. Meat is Murder foi o único álbum de músicas inéditas a chegar ao nº 1 das paradas inglesas.


Principais faixas


1. The Headmaster Ritual

Morrissey sempre foi um crítico ao tradicionalismo em algumas áreas do cotidiano. Entre elas, a educação das crianças. Sendo sua infância e adolescência passadas nos anos 1960-70, Mozz viveu numa época em que as escolas inglesas comumente disciplinavam seus alunos através de castigos físicos.

O corpo docente era majoritariamente composto de professores idosos, nascidos nas primeiras décadas do século XX, o que dificultava qualquer mudança nos métodos educativos:

"Belligerent ghouls run Manchester schools
Spineless swines, cemented minds"

(Mortos-vivos beligerantes mandam nas escolas de Manchester
Porcos sem caráter, mentes cimentadas)

Seguindo a letra, a música mostra as agressões sofridas durante os "rituais disciplinares", e claro, o desejo de escapar de toda aquela tortura:

"I wanna go home, I don't want to stay
Give up education as a bad mistake
Mid-week on the playing fields
Sir thwacks you on the knees
Knees you in the groin
Elbow in the face
Bruises bigger than dinner plates"

(Eu quero ir pra casa, não quero ficar
Desista da educação como um grande erro
Meio de semana nos campos de treino
O professor golpeia-lhe nos joelhos
Dá uma joelhada na virilha
Cotovelada na cara
Hematomas maiores que pratos de jantar)

Agressões de professores levavam à violência entre os alunos. Os maiores ameaçando os mais vulneráveis, e, conhecendo bem a figura, Mozz não escreveria que bateu, mas que apanhou. Já que a violência era endossada, era mais fácil tentar apenas escapar das ocasiões em que poderia ser agredido usando alguma desculpa esfarrapada:

"Please, excuse me from Gym
I've got this terrible cold coming on
He grabs and devours
And kicks me in the showers"

(Por favor, me dispense da Educação Física
Estou ficando com esse resfriado horrível
Ele me agarra e me devora
E me chuta no chuveiro)

Morrissey provavelmente sofreu no colégio, o que possivelmente trouxe sua reclusão ao seu quarto assim que se formou.

2. That Joke isn't Funny Anymore


A única música do álbum que foi lançada como single, não vendeu bem, e foi bem recebida pela crítica. Johnny Marr a considera uma de suas favoritas. Morrissey disse em entrevista que esta música é uma espécie de resposta aos críticos, que atacavam suas letras por mostrarem o "lado infeliz da vida" e o acusando de ser "falso" quanto a suas tendências deprimidas.

A letra parece mostrar alguém em um carro estacionado, pensando como seria fácil tirar sarro de pessoas introspectivas, porém percebe em si a mesma introspecção, e diz que a sensação de ser zombado por isso é algo que ninguém conseguiria sentir.



"When you laugh about people
Who feel so very lonely
Their only desire is to die
Well, I'm afraid
It doesn't make me smile
I wish I could laugh
But that joke isn't funny anymore
It's too close to home
And it's too near the bone
[...]
More than you'll ever know"

(Quando você ri de pessoas
que se sentem tão solitárias
que seu único desejo é morrer
Bem, eu receio
que isso não me faça sorrir
Quem dera poder rir
Mas essa piada não é mais engraçada
É muito pessoal
e muito familiar
[...]
Mais do que jamais saberá)


Morrissey é lembrado por dizer uma vez que achava bancos de couro de carro "altamente eróticos". Essa afirmação abre um leque para o que pode-se interpretar quando ele canta:

"It was dark as I drove the point home
And on cold leather seats
Well, it suddenly struck me
I just might die
With a smile on my face after all"

(Estava escuro quando eu deixei minhas intenções claras
E nos bancos gelados de couro
De repente percebi
Que eu poderia morrer
Com um sorriso no rosto, afinal de contas)


Talvez quisesse dizer que a morte seria algo tão prazeroso como um ato erótico. E que a satisfação sentida no fim traria-lhe um belo sorriso na hora de morrer.

3. Barbarism Begins at Home

Essa música seguiu a linha de The Headmaster Ritual, criticando as formas de disciplina da época da juventude de Morrissey. Desta vez, porém, a letra enfatiza os castigos dados pelos próprios familiares.
De início, a letra diz que a imaturidade das crianças em crescimento leva à necessidade de vigilância constante dos adultos:

"Unruly boys 
Who will not grow up
must be taken in hand
Unruly girls
Who will not settle down
Must be taken in hand"

(Garotos desobedientes
Que não vão crescer
Devem ser pegos pela mão
Garotas desobedientes
Que não se acomodarão
Devem ser pegas pela mão)


Logo a seguir, a letra destila os castigos físicos dados pelos progenitores, por motivos variados e, muitas vezes, infundados:

"A crack on the head
Is what you get for not asking
And a crack on the head
Is what you get for asking"

(Uma pancada na cabeça
É o que você recebe por não perguntar
E uma pancada na cabeça
É o que você recebe por perguntar)

A música é curiosa pela sua longa parte instrumental, tomando quase metade da faixa. As linhas de baixo eram inovadoras para o grupo, com Rourke abusando de batidas de funk, tornado a música dançante e incomum para os padrões da banda.

O ritmo dançante inclusive gerou uma das cenas mais curiosas e memoráveis do The Smiths: Em um show, ao final da música, Morrissey dançava de sua maneira característica, e Johnny Marr, num momento de euforia e sincronia, abandona a guitarra e vai dançar com seu companheiro de banda.



4. Meat is Murder

Faixa-título e última faixa da lista do álbum, esta música abriu caminhos explícitos para a politização da imagem de Morrissey para o público. Em meio a ruídos distorcidos e sons de animais, a letra é uma crítica ácida ao consumo de carne, enfatizando a morte de animais necessária para a produção do alimento.

Nos primeiros versos, Morrissey compara o sofrimento animal com o humano e chama o abate de assassinato:

"Heifer whines could be human cries
Closer comes the screaming knife
This beautiful creature must die
[...]
A death for no reason
And death for no reason is murder"

(O bezerro geme, poderia ser um choro humano
A faca gritante se aproxima
Esta bela criatura deve morrer
[...]
Uma morte sem motivo
E morte sem motivo é assassinato)

Em seguida, Mozz volta sua metralhadora para o preparo e o ato em si de comer carne:

"And the flesh you so fancifully fry
Is not succulent, tasty or kind
It's death for no reason
And death for no reason is murder
And the calf that you carve with a smile
[...]
And the turkey you festively slice
Is murder".

(E a carne que você tão distraidamente frita
Não é suculenta, gostosa ou algo do tipo
É morte sem sentido
E morte sem sentido é assassinato
E o vitelo que você destroça com um sorriso
[...]
E o  peru que você fatia festivamente
É assassinato)


Opinião

Entre os álbuns do The Smiths, esse foi o que desencadeou o lado mais polêmico de Morrissey, que o acompanha até os dias atuais, com entrevistas atacando aspectos mundanos, como o consumo de carne, a realeza britânica e a disciplina dada pelos pais aos filhos. Também o álbum foi produzido talvez no melhor momento da relação de Morrissey e Johnny Marr, tornando talvez as músicas deste álbum e dos singles lançados nesse ano como as melhores musicalmente, incluindo a tão amada pelos fãs There is a Light that Never goes out, adicionada no álbum seguinte, The Queen is Dead. A grande verdade é que o Meat is Murder mostrou como Morrissey poderia se portar, se lhe dessem a chance de dizer suas opiniões da sua forma predileta: cantando.

E o nº 1 nas paradas britânicas mostrou que o público receberia bem as opiniões contundentes de Morrissey.

Veredicto

Seja mostrando como sofria na mão de outros estudantes, como a introspecção invadia sua vida, como se sentia diante de um amor platônico (em Well I Wonder), ou o que sentia quando você come um sanduíche de presunto e queijo, Morrissey foi impecavelmente inteligente do início ao fim deste álbum, e Johnny Marr escreveu brilhantes melodias, sem jamais esquecer Andy Rourke e uma das melhores linhas de baixo já feitas, de Barbarism Begins at Home.

É quase impossível dizer algo diferente dos Smiths que não seja "genial". Não é a toa que está é uma das bandas lendárias da do rock britânico, ao lado dos Beatles, Rolling Stones, The Who, Queen e The Clash.

Agradecimentos aos amigos Lucas, MaFê que revisam meus textos, e Gerson que é especialista em The Smiths e me ajudou com o conteúdo.

Feedback é bom, eu gosto e me ajuda a escrever melhor ;)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Detalhes



Era uma vez, alguém que era triste nos detalhes. Não era visto pra baixo ou triste, muito pelo contrário. Quem via, via rindo, via falando besteira. Chorar? Só se for de rir, rolando no chão. Quando falava sério, era por 30 segundos, porque ia contar uma piada em cima do que acabara de dizer.

Era uma pessoa ativa. Queria fazer tudo, queria ter ideias, e as tinha. Pensava bastante, parecia uma máquina, as pessoas gostavam, suas ideias eram boas. Entretanto, às vezes se sentia mal. Ouvia The Smiths na volta pra casa, deixando repetir as músicas mais melancólicas. Dormia demais. Desanimava também. Era muita coisa ao mesmo tempo. Ora enrolava, ora se enrolava. Números para lidar, alguns mudavam de lugar. Imperceptível, erro pequeno, mas todo erro gera um problema tremendo. Ainda insistia, tentava dar seu jeito. Queria deixar algo bom, que o fizesse querer bater no peito. 

Esforço que minava a energia, força que se esvaía. Eis que chega o esgotamento e cessa a máquina de pensamento. Antes havia imaginação abrindo suas asas, agora não quer sair do sofá da própria casa. Aos poucos espantava a pessoa calma, com um semblante de Buda; agora, à primeira contradição, brada “seu filho da puta”. Cada dia cansava mais. Colegas, trabalho, os pais. Nada que uma cervejinha não cura. Tequila, cachaça, vodka pura. Era ainda uma pessoa bem vista, com respeito e admiração. Mas todos apenas rodeavam, era evidente a solidão. Letargia dominante, o sono crescia; coração gelado, a paixão não mais se via.

Era uma vez uma pessoa triste nos detalhes. Eram detalhes demais.

sábado, 1 de novembro de 2014

Resenhando - "Autobahn" 40 anos

A tecnologia em seus primórdios e a paixão pela música de vanguarda resultaram em um dos álbuns mais icônicos da história.

Você deve ter ouvido música eletrônica. Ou ao menos ouviu uma música fortemente mixada. Com toda a certeza do mundo você ouviu falar de David Guetta, Avicii, Swedish House Mafia ou Tiësto. Não faz mal gostar, mas muito se fala de que DJs hoje em dia têm uma facilidade muito grande em fazer a sua música e a magia de imaginar a composição destas se perde, ficando fadada a uma mesa de mixagem, alguns pendrives com batidas prontas e um computador.

Pense bem: se chegou a isso, tenha certeza que um dia foi mais complicado.

A Banda: Kraftwerk

Ralf Hütter (E) e Florian Schneider: Amigos, obcecados e perfeccionistas. Tudo que a música eletrônica precisava.

Sair perguntando na rua não vai trazer muitos frutos sobre quem são, mas pouparei-lhes deste trabalho: No fim dos anos 60, mais precisamente 1968, conhecem-se dois jovens fascinados por tecnologia e Krautrock, o "rock-chucrute" ou a música de vanguarda alemã. Os jovens se chamavam Ralf Hütter e Florian Schneider. Juntos, os dois tentavam juntar e organizar ruídos eletrônicos e transformá-los em música. Sob o nome de Organisation, lançaram o álbum Tone Float, em 1970, onde expuseram seus primeiros trabalhos. No mesmo, já sob o nome de Kraftwerk, lançaram um álbum homônimo, um pouco mais elaborado que o anterior, mas ainda mantendo a característica minimalista que levariam como marca registrada do conjunto. 
Nos 3 anos seguintes, a dupla, e depois trio, com a entrada de Wolfgang Flür na percussão eletrônica, lançou ainda os álbuns Kraftwerk 2 (1972) e Ralf & Florian (1973). Os álbuns são todos diferentes um do outro, levando a pensar que estavam realmente tateando entre os eletrônicos para encontrar onde eles encaixariam com a música que estavam criando.

1974: O "Primeiro álbum" e o sucesso

Seis anos de exaustivas tentativas, em 1.11.1974, o Kraftwerk lança o álbum Autobahn. Uma curiosa obra de 5 faixas, sendo a faixa-título tendo 22 minutos, ocupando todo o lado A do vinil. O disco conceitua-se falando (bem pouco, afinal o álbum inteiro tem 7 versos diferentes) das viagens automotivas nas Autobahns, as estradas alemãs famosas no mundo inteiro. Unindo o sintetizador Moog, percussão eletrônica, violino e flauta, o álbum deu a sensação de liberdade e um pouco da chatice de uma longa viagem de carro: o sol contra o pára-brisa, as paradas para reabastecer ou comer, a monotonia da paisagem, o som do rádio ou dos pássaros cantando ao longo da via. Parecia que alguém finalmente conseguira reuinir a música e a eletrônica de modo harmonioso.

AUTOBAHN: A chatice de uma viagem de carro é de onde parte a jornada da popularização da música eletrônica.


 As faixas mais conhecidas

1. Autobahn

Falando desse álbum, não se pode deixar de falar da primeira faixa, que leva o nome do álbum. Uma curiosa música que ocupava todo o Lado A, com uma duração de 22:43 minutos, com apenas 7 versos espalhados no meio de sons que imitam uma viagem de carro. Carros passando pelas famosas, Autobahns, as longas vias interurbanas em que boa parte é feita sem limite de velocidade, a tranquilidade e a monotonia da paisagem, o rádio ligado. Elementos que criam sensações de liberdade para quem escuta. E, pelas repetições na batida e no background da música, mexe um pouco com a sensação de monotonia que uma viagem automotiva traz.

 2. Kometenmelodie  (1 & 2)

Durante a gravação do álbum, em fevereiro de 1974, passava próximo à Terra o cometa Kohoutek e os rapazes gravaram duas faixas (uma dividida em duas, para ser mais correto) e chamaram, literalmente "Melodia do cometa" (Kometenmelodie). Essas faixas, pessoalmente, dão a sensação de esperar pelo cometa, tendo como companhia insetos da noite e outros ruídos da escuridão na primeira parte. Já na segunda parte, a música ganha ritmo e excitação, como se o aparecimento do cometa que provavelmente causara assombro durante a sua passagem.


Veredicto

O álbum tem tamanha importância que os prórpios integrantes do Kraftwerk o consideram como o primeiro álbum da banda. A primeira vez que a música eletrônica ganhou popularidade foi com este álbum. Graças ao Autobahn, o Kraftwerk fez um grande sucesso e influenciou várias bandas ao longo dos anos, como Depeche Mode e New Order, e depois abrindo todo o espaço que a eletrônica ganhou, chegando aos dias atuais, em que raramente uma música é puramente mecânica.

Realmente, uma viagem de carro levou a música a percorrer caminhos fantásticos.


quarta-feira, 4 de junho de 2014

Resenhando: "Admirável Mundo Novo"


Comecei a ler livros clássicos do século XX. Do jeito que minha vida não anda fácil (vide a quantidade de textos postados nesse blog), comecei pela tríade das distopias.

Aos leigos de plantão, distopias são histórias que imaginam um futuro incrível, com grandes avanços na tecnologia e/ou na vida social, porém com um alto preço a ser pago: em geral, o preço se traduz em restrições à liberdade de pensamento e de ações. Tudo deve ser feito em prol da ordem e da manutenção da sociedade no padrão vigente.

Nesses moldes, foi escrito em 1931, Admirável Mundo Novo, por Aldous Huxley. Este foi a primeira das três grandes obras distópicas do século XX (esta; 1984, de George Orwell; e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury). Huxley vinha de uma linhagem de intelectuais: seu avô era Thomas H. Huxley, um dos maiores cientistas britânicos do século XIX, defensor ferrennho da teoria de Darwin da evolução das espécies. A família de Huxley também conta com grandes nomes da literatura inglesa do século XIX.

Sinopse

A história se baseia em Londres, centenas de anos a frente do nosso tempo. A ordem social foi reformulada e atingiu até os níveis biológicos: as pessoas não mais nascem, são incubadas. De acordo com as necessidades da sociedade, incubam-se pessoas a diferentes níveis de desenvolvimento, para cada nível de trabalho braçal ou mental, divididos em castas, de Alfa a Ípsolon. Todos eram condicionados a não querer interagir com outras castas, e todos eram condicionados a servir ao bem-estar social.

A felicidade era uma lei. O condicionamento feito durante o início da vida, de forma hipnótica, dizia que todas as pessoas devem ser felizes. AS coisas ruins seriam eliminadas, a morte seria algo costumeiro no dia-a-dia de todos, a solidão seria ultrajante. Tudo organizado de forma que ficar sozinho fosse praticamente impossível, a diversão era sempre conjunta, e dividir a vida com outrem era um pilar importante para a felicidade. Tudo em nome da manutenção da sociedade perfeitamente estável.

As pessoas eram jovens até a morte. Através de algumas terapias (como transfusão de sangue jovem) aparencia física não decaía de modo que fosse atingida a senescência. Desde a incubação, todos são imunizados contra todas as doenças, e quando são admitidas no hospital, a morte é certa, e quando chega, os nutrientes e compostos daquele organismo morto são reaproveitados.

Já que as pessoas não nasciam, famílias não existem. A interação sexual é incentivada, mas o amor, o relacionamento prolongado era algo desencorajável. Sob o lema "Cada um pertence a todos", a promiscuidade era estimulada. Escolha, se divirta e siga em frente.

Em diversos locais, de forma isolada, existiam as chamadas "reservas históricas". Lá a vida ocorre como nas antigas épocas (semelhante aos tempos em que o livro foi escrito), as pessoas não dispõem das novidades da civilização. Nas reservas, as pessoas nasciam (o que era visto como uma verdadeira obscenidade para os novos tempos), lidam com o envelhecimento, veneram deuses, vivem em núcleos familiares, sem dispor da tecnologia dos novos tempos. Esses fatos eram motivos para que fossem chamados de "Selvagens".

Claro que, como humanos, erros ainda podem acontecer. Um homem chamado Bernard Marx, pertencente à mais alta casta (Alfa-mais), tinha, apesar do desenvovlvimento, estruturação física de alguém de uma casta menor, o que era razão para ser malvisto por seus semelhantes. Por um problema no seu processo de condicionamento hipnótico, ele não pensava como a nova ordem: ele tinha consciência de sua diferença e não sempre queria viver como todos os outros, apesar de trabalhar tal como os outros integrantes da nova sociedade.

Marx, ao  viajar e visitar uma das reservas históricas, conhece um dos selvagens: John, filho de uma mulher que outrora pertencera à civilização mas se perdeu em uma visita à reserva e estava grávida de outro homem "civilizado". Em John, Marx vê uma oportunidade para estabelecer-se socialmente, ao mostrar o novo mundo ao selvagem e trazer a atenção de todos para mostrar alguém que nasceu (!), tendo um pai (!!!) e uma mãe (!!!!!). O resto faz parte do enredo, não vou contar mais.

Opinião

Huxley aborda o desenvolvimento tecnológico, crecente no período pós-Primeira Guerra, de uma forma muito interessante. Pelo que li, o desenvolvimento chegará ao ponto de não ser mais uma ferramenta para o ser humano, mas será a única base em que a sociedade se sustentará: voce deverá trabalhar para manter a ordem, do contrário será desprezado. Assim, é instaurada uma tecnocracia totalitária.

O autor também usa os nomes de personagens históricos para representar algumas ideias. O mais notório é o próprio Bernard Marx, cujo sobrenome vem do filósofo alemão Karl H. Marx, que muito escreveu sobre a alienação das massas para assegurar a estabilidade social.

Também vejo, em algumas passagens do livro, o esforço que é feito em nome da felicidade coletiva. Em vários momentos, é confessado que escolhe-se a felicidade em detrimento ao progresso científico de acordo com a metodologia empregada (contestação de teorias, revisão de dados, etc.). Novamente a individualidade é posta de lado em prol da ordem social. Ninguém está lá para nada se não servir a sociedade.

A parte boa de ler livros com semelhante temática é que mostram um pouco o preciso que precisa-se pagar se quisermos viver em uma sociedade realmente feliz. A famosa frase "A ingnorância, às vezes é uma benção" mostra-se convenivente e muito correta. O objetivo é chegar à felicidade plena. Mais que isso é desperdício e pode ser danoso para ser feliz. Para garantir a felicidade, é preciso que o conhecimento seja cerceado e os que quiserem buscar novos conhecimentos... é bom mandar para longe das massas. A civilização não pode ter perturbações.

Veredicto

Leiam esse livro. É um olhar fantasioso de nosso destino se queremos que a tecnologia invada nossas vidas. Francamente, creio que ela já invadiu.

terça-feira, 20 de maio de 2014

All Star

Então, fiz vinte anos recentemente (Oba!, parabéns pra mim). Toda virada de década é um momento oportuno para rever até onde você chegou. A essa altura da vida, já teria aproveitado minha fase de fazer merda, me apaixonar, namorar na escola, etc. Teria feito muito para que, hoje, estivesse um pouco mais maduro e pensando com clareza em um futuro próximo e, quem sabe, num mais distante.

Perceberam que eu usei o Futuro do Pretérito? Exatamente.

É, não passei pelas tais experiências da fase de fazer merda. Talvez tenha feito algumas, mas tão dispersas e tão perdidas no mar de civilidade que regeu minha adolescência. Depois fiquei achando besteira. Enfim, isso fica muito confuso.

De volta a meu aniversário, no dia seguinte a ele, acordei com uma frase na cabeça: "Não lembro de ter tido um All-Star. Quero um". Besteira, pensei, mas aquilo cresceu no dia, com algo peculiar. Aos que não sabem, o All-Star é um modelo de tênis muito popular, conhecido por aqui por ser voltado para o público púbere, entre 12 e os 18 anos, presumo. As linhas simples e a facilidade para lavá-los vieram muito bem a calhar.

Não que eu tenha sido melhor ou pior pessoa durante minha adolescência por isso, mas não tive um. Porém, talvez pudessem servir de algum tipo de marco. Vai ver significasse algo que morreu lá atrás e eu não vi, mas falta hoje pra mim. Quem sabe ter o desejo repentino de comprar esse tenis seja só porque eu sinta falta de ter feito o que deveria anos atrás. Oportunidades perdidas? Uma nova chance para pensar com clareza o futuro de um futuro recente que preciso reformular? Não tenho ideia.

De fato, não tenho ideia nenhuma das respostas que preciso. Eu só sei que eu comprei a porra do All-Star.